3 de fev. de 2016

"APRESENTANDO O TAO TE CHING" 9, 10, 11, 12 e 13

Poema 9 do Tao Te Ching

持而盈之
不如其已
揣而銳之
不可長保
金玉滿堂
莫之能守
富貴而驕
自遺其咎
功遂身退
天之道

Manter o vaso cheio
Não é tão bom quanto renunciar a si mesmo.
Afiar continuamente um punhal
Faz com que ele não dure muito.
Um salão cheio de ouro e jade
Não pode ser mantido em segurança.
Orgulhar-se de riquezas e honrarias
Faz com que elas mesmas sejam perdidas.
Concluir o trabalho e afastar-se,
Esse é o Tao do Céu.


O "vaso" a que se refere o primeiro verso é um vaso ritual utilizado nas cerimônias confucionistas. Mais uma vez, uma crítica de Lao Tzu ao que ele considera um excesso de valorização dos rituais e cerimônias.
O poema segue, criticando os excessos, que muitas vezes são causa de ruína.
O comedimento e a temperança são o Tao do Céu, isto é, a Lei Natural que conduz à felicidade.

Curiosidade cultural: muitas vezes os pais chineses escolhem os nomes dos filhos inspirando-se em algum trecho de obras clássicas. Quando eu e meu pai estivemos em Chenjiagou (vila onde se originou o Tai Chi Chuan, e onde virtualmente toda a população pratica), ele criou uma forte amizade com o mestre Huang Man-Tang. Os nomes de pessoa no Oriente tem, em primeiro lugar, o nome de família, e, depois, o nome próprio. O nome do meu pai é, segundo o costume oriental, Woo Moo-Shong. Pois bem, o nome próprio do mestre Huang é "Man-Tang", ou "Salão Pleno", expressão que aparece no quinto verso do poema acima e que exprime o desejo dos seus pais de uma casa com fartura, onde nada falte.


Capítulo 10 do Tao Te Ching
A composição desse poema abre um amplo leque de interpretações possíveis.

載營魄抱一
能無離乎
專氣致柔
能嬰兒乎
滌除玄覽
能無疵乎
愛民治國
能無知乎
天門開闔
能為雌乎
明白四達
能無知乎

生之畜之
生而不有
為而不恃
長而不宰
是謂玄德

Fazendo uso da alma, abraça-se o Um;
É possível, então, não O deixar?
Concentrando o Qi, alcançamos a suavidade;
É possível, então, ser como um bebê?
Purificando a visão profunda,
É possível livrá-la de máculas?
Amar o povo e dirigir o país,
Pode ser feito sem o conhecimento?
Abrir e fechar as portas do céu,
Pode ser feito com feminilidade?
Ter a visão clara dos quatro extremos,
É possível sem o conhecimento?

Gerar, nutrir;
Gerar sem se apoderar;
Realizar sem condicionantes;
Fazer crescer sem dominar;
Isso se chama Poder Misterioso.


O poema começa com uma série de perguntas. Esse questionário avalia se o sujeito alcançou o Tao e se já se imbuiu do seu Poder ("Te", o Poder do Caminho, ou o poder manifesto por aquele que já realizou o Tao).

No taoísmo, temos várias expressões da alma:
é geralmente traduzido como alma corpórea - é a porção animal da alma;
é geralmente traduzido como alma extra-corpórea - a porção da alma que carrega nossas memórias e experiências; e assim por diante.
No poema, representa toda a nossa composição, todo o nosso ser. Se praticarmos até obtermos o Um, ou o Tao, seria possível deixarmos de tê-lo? (num paralelo pobre, mas que esclarece: "é possível que um ovo já cozido volte a ser cru?")

O verso que trata a concentração no Qi fundamenta as práticas de qigong ainda hoje.
A palavra "conhecimento" () no texto se refere ao conhecimento racional, objetivo, conceitual.
Quem responde "sim" a essas perguntas, obteve a visão profunda do Tao e alcançou seu misterioso poder.
Obs.: segundo verso - melhor escrito como "É possível, então, sempre O manter?"

Essas perguntas retóricas com negativas...


Poema 11 do Tao Te Ching
三十輻
共一轂
當其無
有車之用
埏埴以為器
當其無
有器之用
鑿戶牖以為室
當其無
有室之用
故有之以為利
無之以為用

Trinta raios de uma roda
Reúnem-se no eixo,
Mas é o seu vazio (onde o eixo se encaixa)
Que concede função ao carro.
A argila dá forma ao vaso,
Mas é o seu vazio
Que lhe dá utilidade.
Portas e janelas se destacam na parede,
Mas é o seu vazio (sua abertura)
Que torna útil a casa.
O Existir busca o acúmulo.
O Não-existir busca a função.

Conferimos a qualidade de ser real àquilo que vemos, tocamos, pesamos, medimos. Mas "a coisa" que permite que elas funcionem é o próprio vazio.
Em Medicina falamos de "estrutura e função". O paradigma antigo prescrevia que um mau funcionamento seria decorrente, necessariamente, de uma alteração na estrutura. Mas a observação de que haviam, sim, distúrbios funcionais, sem comprometimento estrutural, mudou essa visão.
Em nosso relacionamento com os demais, que valores temos mais prezados? Os exteriores e visíveis, ou a própria dinâmica da amizade?
Em nosso trabalho conosco mesmo, será que temos nos apegado a construções de orgulho, mecanismos de defesa, de neuroses? O que é o nosso vazio interno, pleno de potencialidade?


Poema 12 do Tao Te Ching

五色令人目盲
五音令人耳聾
五味令人口爽
馳騁田獵
令人心發狂
難得之貨
令人行妨
是以聖人
為腹不為目
故去彼取此

As cinco cores tornam as pessoas cegas;
As cinco notas musicais tornam as pessoas surdas;
Os cinco sabores tornam as pessoas sem paladar;
Galopadas e caçadas nos campos
Deixam as pessoas com a mente perturbada;
Haver objetos que são difíceis de se obter
Faz com que haja necessidade de os esconder.
Por isso, o Sábio
Age em prol da barriga e não em prol do olho,
Recusa este e busca aquele.


A quantidade "cinco" se refere aos Cinco Elementos: Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água. Na filosofia chinesa, esses cinco elementos abarcam todos os fenômenos. Assim, "cinco" significa "toda a variedade".
As cinco cores são: verde, vermelho, amarelo, branco e preto. A música tradicional chinesa utiliza a escala pentatônica, com cinco notas musicais: shang, yu, jue, zhi, gong. Os cinco sabores são: ácido, amargo, doce, picante e salgado.

Embriagar-se com a riqueza de estímulos que chegam aos nossos sentidos embota a nossa percepção. Deixar-se levar por aquilo que nos dá apenas prazer ("galopadas e caçadas") prejudica a capacidade de julgar a realidade.
Agir em prol da barriga é encontrar satisfação em saciar as necessidades fundamentais.
Não agir em prol do olho é não cobiçar aquilo que é além da conta, o supérfluo. E quanta coisa supérflua tomamos como essenciais!


Poema 13 do Tao Te Ching

寵辱若驚
貴大患若身

何謂寵辱若驚
寵為下
得之若驚
失之若驚
是謂寵辱若驚

何謂貴大患若身
吾所以有大患者
為吾有身
及吾無身
吾有何患

故貴以身為天下
若可寄天下
愛以身為天下
若可託天下

O agrado rebaixa, causa temor.
Considere as grandes desgraças como a si mesmo.

O que quer dizer "O agrado rebaixa, causa temor"?
O agrado inferioriza,
Recebê-lo causa temor,
Deixar de tê-lo causa temor.
Isso é que quer dizer "O agrado rebaixa, causa temor".

O que quer dizer "Considere as grandes desgraças como a si mesmo"?
Para que eu sofra grande desgraça,
É preciso que eu tenha um eu-mesmo.
Se eu não tivesse um eu-mesmo,
Que desgraça eu poderia sofrer?

Assim, àquele que valoriza a si mesmo tanto quanto valoriza o mundo
Pode-se confiar o mundo.
Àquele que ama a si mesmo tanto quanto o mundo
Pode-se entregar o mundo.


Receber agrados, ser elogiado, tudo isso pode nos tornar dependentes da sensação de satisfação com nós mesmos. Essa possibilidade amedronta (). Nesse caractere há a figura do cavalo (), então imaginamos um cavalo que está assustado. É essa sensação de medo e inquietação que é referida aqui, e que aparece na expectativa do agrado ("Eu mereço! Cadê o elogio?") e quando não recebemos o agrado ("Sou bom, por que não sou elogiado?").

Sentimos aflições porque somos centrados em nós mesmos, num "eu" que construímos ao longo da vida, uma máscara que permite a interação com o mundo a nossa volta e protege de ameaças externas. É uma máscara tão funcional, e que vamos cultivando por tanto tempo, que pensamos que ela seja "eu".
Para não ter aflições, esvazie o "eu" (fácil falar, difícil realizar).

Fechando o poema, versos que lembram a obra de redenção contida na mensagem cristã: Aquele que ama o mundo como a si mesmo, a ele o mundo é confiado.

Curiosidade:
Fazer um agrado, mimar uma criança se escreve com . Ter um dragão () sob o mesmo teto (). Pais de crianças mimadas reconhecem a imagem.

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