24 de jan. de 2016

" APRESENTANDO O TAO TE CHING " 4 e 5

Quarto poema do Tao te Ching

道沖而用之有弗盈也
淵兮似萬物之宗
挫其銳
解其紛
和其光
同其塵
湛兮似或存
吾不知其誰之子也
象帝之先

O Tao transborda, mas em sua aplicação não se chega ao máximo.
É de tal profundidade! É como o ancestral de todas as coisas!
Desbasta suas pontas afiadas,
Desfaz os bordados,
Ameniza seu brilho,
Homogeneíza a sujeira.

É de tal profundeza! Como se de existência incerta!
E não de quem ele é filho,
Pois parece anterior a Deus.


A primeira linha é de tradução difícil, pois 沖 pode ser interpretado tanto como "vazio", quanto como "transbordante". Talvez uma boa imagem seja a de uma leiteira esquecida no fogo. O leite sobe e transborda, esvaziando a leiteira. Essa é a situação descrita como 沖. Mas mesmo assim, o Tao não se esgota. No Tao, as coisas não chegam aos seus extremos (abaixo as posições extremadas!). Vamos desbastar nossas pontas afiadas, nossas "certezas plenas", nossos "dogmas pessoais". Vamos desfazer nossos bordados, as firulas e salamaleques que ostentamos socialmente. Ameniza seu brilho, recolhe seu orgulho, contenha seu desejo de se exibir. Homogeneíza sua sujeira, no Tao você não é o mais santo, e nem o mais impuro.
O Tao é tão profundo, que não sei de onde vem. É anterior a Deus, pois transcende as ideias religiosas - e as participações de ontem do mestre Dada, Nildenor e Antonio trouxeram muita luz neste aspecto.


Quinto poema.

天地不仁以萬物為芻狗
聖人不仁以百姓為芻狗

天地之間其猶橐籥乎
虛而不屈
動而愈出
多言數窮
不如守中

O Céu e a Terra não tem benevolência, todas as coisas são "cães de palha" para eles.
O Sábio não tem benevolência, todas as pessoas são "cães de palha" para eles.

O espaço entre Céu e Terra não se assemelha a um fole?
Vazio, mas não se esgota;
Quanto mais se move, mais sai dele.
Quanto mais palavras, maior a pobreza.
Nem se compara a guardar o centro.


Na época em que esse livro foi composto, os templos produziam bonecos de palha em forma de cães, que ficavam armazenados em lugares especiais, aguardando o momento de serem oferecidos às divindades. Após a oferenda, eles eram descartados como lixo.
O Sábio olha os demais seres humanos assim como o Céu e a Terra olham todas as coisas: totalmente insignificantes, descartáveis como esses cães de palha. Essa é uma crítica ao confucionismo, que prega a benevolência como uma das principais virtudes a ser cultivada. Para Lao Tzu, ela é uma artificialidade a ser ignorada pelo sábio, pois os grandes poderes (Céu e Terra) também não a possuem.

Os Três Grandes Poderes são o Céu, a Terra e o Homem. O Homem ocupa o espaço entre os outros dois. E esse mundo humano é semelhante a um fole. É esvaziado e torna a se encher. Em sua agitação, mais e mais coisas são produzidas. Entre essas coisas, palavras para explicar o Tao. Quanto mais palavras se usam para explicá-lo, mais pobre é a ideia e a realidade que as pessoas têm dele. O melhor é guardar o vazio interior essencial.

¨APRESENTANDO O TAO TE CHING¨ 2 e 3

Segundo poema:

天下
皆知美之為美
斯惡已

皆知善之為善
斯不善已

Sob o céu (天下 expressão que significa "o mundo"),
Todos, ao saberem que o belo é belo, fazem com que o feio apareça.

Todos, ao saberem que o apropriado é apropriado, fazem com que o inapropriado apareça.

Belo, feio, apropriado e inapropriado, são conceitos. Ao aprendermos o conceito de "belo", simultaneamente formamos o conceito de "feio", e assim por diante. Aprendemos a ver o mundo de maneira dual. Ao formarmos a noção do que seja "eu", ainda bebês, formamos, simultaneamente, a noção do que seja "não-eu". E essa visão dualista vai perpassando todas nossas experiências ao longo da vida.

Continuando o segundo poema.


有無相生,
難易相成,
長短相較,
高下相傾,
意聲相和,
前後相隨。

Assim,
O existir e o não-existir geram-se mutuamente,
O difícil e o fácil determinam-se mutuamente,
O longo e o curto medem-se mutuamente,
O alto e o baixo voltam-se um para o outro,
O pensamento e a palavra harmonizam-se mutuamente,
O anterior e o posterior sucedem-se um ao outro.

Nessa sequência de exemplos, a descrição de cada par evidencia a íntima relação entre os seus elementos.
Além da aparente dualidade, existe uma unidade. Só podemos ver um lado da moeda de cada vez, mas as duas faces formam uma só unidade - a própria moeda.

Fechando o segundo poema:

是以聖人處無為之事
行不言之教

萬物作焉而不辭
生而不有
為而不恃

功成而弗居
夫唯弗居
是以不去

Assim, o Sábio trata os assuntos pelo Não-Agir,
concede ensinamentos sem falar.

Ele não se esquiva de realizar as coisas.
Produz, mas não para possuir.
Conclui, sem depender de nada.

Ele obtém sucesso, mas não o guarda. Ele não reivindica ganho, por isso não o perde.

Ter a compreensão intelectual de que existe unidade subjacente à aparente dualidade não é tão difícil. Mas realizar essa verdade por completo implica uma sabedoria que está além das palavras. Quem o consegue é um verdadeiro Sábio, que ensina e faz de maneira não-dualista. Tudo já está nele, sem que ele faça questão disso.

Aparecem, nesse poema, dois conceitos importantes:
- o Sábio (聖人), que é aquele que realizou o Tao.
O caractere 聖 pode ser interpretado como o "rei" (王) que sabe quando "ouvir" (耳) e quando falar (口).

- "Não-Agir" (Wu Wei 無為): conceito que permeia toda a visão taoísta, e de difícil compreensão num ambiente em que precisamos fazer para ter. Significa não fazer oposição às leis naturais, realizando por meio de apenas seguir o curso da Natureza.

Os próximos três poemas são polêmicos e ferem a nossa visão da realidade.

Na época em que o Tao Te Ching foi escrito, a China estava dividida em dezenas de reinos independentes e rivais. A situação era caótica. As várias escolas filosóficas que surgiram no período propunham diferentes soluções para o problema. O taoísmo propunha o retorno a uma situação de plena harmonia com a natureza, despida de instituições humanas fabricadas/artificiais. Assim, alguns poemas foram escritos para aquele público específico. Mantendo isso em vista, podemos apreciar esses poemas e extrair deles algo proveitoso para a nossa situação presente.

O próximo poema apresenta conselhos para um governo sábio


Terceiro poema

不尚賢使民不爭
不貴難得之貨使民不為盜
不見可欲使心不亂

Não privilegiar os homens capazes faz com que o povo não crie conflitos;
Não valorizar o que é difícil de obter faz com que o povo não se torne ladrão;
Não ver o que pode vir a ser desejado faz com que a mente não se confunda.

Privilegiar os que são mais capazes provoca, por um lado, inveja; por outro, idolatria ou culto da personalidade. Ambas as situações são potencialmente belicosas.

Se a pessoa não tomar conhecimento daquilo que é inalcançável para ela, isso não gerará revolta.

Trabalhei numa localidade pobre, onde haviam duas situações distintas. Uma área era muito carente, sem energia elétrica e sem condições de transporte. A outra área já tinha casa de tijolos, luz elétrica e podia pagar a passagem de ônibus até o centro urbano (uma cidade pequena). O trabalho na área muito carente era mais recompensador, as pessoas eram mais gratas, seguiam melhor as orientações, e havia menos violência do que na área menos carente.
As pessoas que moravam na parte mais "remediada" tinha mais conhecimento do mundo exterior, dos luxos e de todas as benesses que elas "jamais" teriam. Isso gerava uma revolta, que resultava na situação que presenciei lá.


Finalizando o terceiro poema do Tao Te Ching:

是以
聖人之治
虛其心
實其腹
弱其志
強其骨

常使民無知無欲
使夫知者不敢為也
為無為則無不治

Por isso,
No governo do Sábio,
Se esvaziam suas mentes,
Se enchem suas barrigas,
Se enfraquecem suas vontades,
Se fortalecem seus ossos.

Sempre se mantém o povo sem conhecimento e sem desejo,
Assim, o inteligente não ousará assumir o governo.
Agindo, sem agir, não há o que não possa ser governado.


Se os ditos acima fossem apenas recomendações mundanas, o resultado seria um regime político semelhante ao da Coreia do Norte. E é uma das interpretações possíveis. Existe, também, a abordagem desse poema a partir de uma visão militar estratégica.
Para nós do Being Tao, no entanto, esse poema deve ser lido sob a óptica da MTC - Medicina Tradicional Chinesa.
Na MTC, o nosso organismo (com todos os aspectos físicos, emocionais e espirituais) é comparado com a estrutura de um império no livro "Clássico de Medicina do Imperador Amarelo". Assim, o "coração" é o imperador, o "pericárdio" é o principal ministro, o "fígado" é o general, e assim por diante.
Então, no poema acima, o Sábio é a própria pessoa quando vive de maneira saudável. A mente deve ser esvaziada de preocupações, culpas e angústias; o corpo, bem nutrido; os desejos, enfraquecidos; a nossa constituição, robustecida.
Praticar Being Tao é praticar o Wu Wei e desenvolver a sua saúde. E isso está ao alcance de todos. "Não há o que não possa ser "governado".
O caractere "治" aparece em 治國 (governar um país) e em 治療 (tratamento de saúde).

17 de jan. de 2016

" APRESENTANDO O TAO TE CHING "


Apresentando o Tao Te Ching
O Tao Te Ching, também grafado como "Tao Teh King", ou "Daodejing", é o livro fundamental da filosofia taoísta e sua autoria é atribuída a Lao Tzu (tbm transcrito como "Lao Tsé" ou "Laozi").

Sobre o título:
Tao: o Caminho
Te: o Poder desse Caminho
Ching: Clássico ou Cânone
Assim, temos "O Clássico do Caminho e seu Poder"

O Tao Te Ching começa com o célebre verso "O Tao que pode ser descrito em palavras não é o Tao permanente."

É interessante vermos muito rapidamente o verso no original: 道可道非常道。
A palavra Tao aparece TRÊS vezes. Na primeira e na terceira vez, como substantivo, mas na segunda, como verbo.
Brincando com as palavras, diríamos que o Tao que pode ser "Taozado" não é o Tao permanente.

O seu significado como substantivo é "Caminho, Ensinamento, Princípio Fundamental". E o seu significado como verbo é "Falar, relatar, enunciar". E, por apresentar tanto o aspecto de "Princípio Fundamental" quanto o de "Palavra", o Tao aproxima-se do Logos do Evangelho. Tanto que na tradução da bíblia para o chinês, escreve-se "No princípio era o Tao, e o Tao estava com Deus, e o Tao era Deus."

"O nome que pode ser nomeado não é o Nome permanente."

O verso é construído num exato paralelo do anterior: 名可名非常名. Assim, "Nome" é um dos atributos de um "Tao". O "nome que pode ser nomeado" corresponde ao "tao que pode ser descrito em palavras" - ambos não se referem àquilo que que é chamado de "permanente" por Lao Tzu.

Em seguida,
"O Sem Nome é o princípio do Céu e da Terra, o Com Nome é a mãe de todas as coisas."
無名天地之始
有名萬物之母

Aí se trata do Tao permanente em suas duas manifestações:
• "Sem Nome" (無名), o Tao amorfo primordial, existente desde antes do início, e, por isso, princípio do Céu - mundo espiritual () e da Terra - mundo material ().
• "Com Nome" (有名), o Tao do universo como o conhecemos, "Mãe" () das "Dez Mil Coisas" (萬物), ou seja, a base que gera, que produz, todas as coisas observáveis.

Finalizando o primeiro poema do Tao Te Ching:

此兩者
同出而異名
同謂之玄

玄之又玄
眾妙之門

Esses dois (o "com nome" e o "sem nome")
surgem juntos mas recebem denominações diferentes. Em conjunto, são chamados "Obscuro".

No Obscuro, há algo ainda mais obscuro, o portal para a multitude de maravilhas.

O taoísmo se prima por afastar-se dos extremos, pois o Tao está tão presente no espiritual quanto no material - ambos estão juntos. Um sacerdote que despreza o próprio corpo e um fisiculturista que não nutre seu espírito estão igualmente distantes do centro. E esse misterioso centro é o portal para as mil maravilhas.

Continuando a leitura do Tao Te Ching, os próximos versos dizem:

故常無欲
以觀其妙

常有欲
以觀其徼

"Assim, estando sempre sem desejo (cobiça), conseguimos contemplar seu mistério.
Estando sempre com desejo (cobiça), conseguimos contemplar seu contorno."

Apesar do Tao não poder ser descrito por palavras, nós podemos realizá-lo. A chave é não nos prendermos aos desejos, que nos arrastam de objeto em objeto, gerando insatisfação sem fim. Libertando-nos dos desejos, compreendemos a essência do Tao. Enquanto somos escravos dos desejos, apenas vislumbramos seu esboço.