8 de fev. de 2012

Latour e a Simetria da ACUPUNTURA NO BRASIL

Este artigo foi escrito por PEDRO IVO - ENAc em 30 de novembro de 2011 - Revista Terceiro Milênio
Seria possível analisar o esoterismo da acupuntura tradicional, mas não a cientificidade da acupuntura médica?      
(parafraseando Latour, 1994:92)

1. As Duas Grandes Divisões
A tentativa aqui será a de importar-exportar as Duas Grandes Divisões (a la Latour, 1994), a ocidental/ interior (entre nós, natureza e sociedade), e os outros/ exterior (entre eles e suas naturezas/sociedades misturadas) e, assim, causar um desconforto epistemológico, pelo menos, na construção do estudo sobre duas óticas-teorias conflitantes, no campo do conhecimento e na política, que permeiam uma mesma prática, a Acupuntura. Começo, então, citando um trecho de Jamais Fomos Modernos que melhor explica as ditas Divisões:

A Grande Divisão interior explica, portanto, a Grande Divisão exterior: apenas nós diferenciamos de forma absoluta entre a natureza e a cultura, entre a ciência e a sociedade, enquanto que todos os outros, sejam eles chineses ou ameríndios, zandés ou barouyas, não podem separar de fato aquilo que é conhecimento do que é sociedade, o que é signo do que é coisa, o que vem da natureza como ela realmente é daquilo que suas culturas requerem (…) Nas culturas Deles, a natureza e a sociedade, os signos e as coisas são quase coextensivos. Em Nossa cultura, ninguém mais deve poder misturar as preocupações sociais e o acesso às coisas em si. (Latour, 1994:99)

Na esfera da Acupuntura, especialmente no Brasil onde passamos por um processo crítico de conflito entre as categorias interessadas na regulamentação dessa profissão – seja com atuação independente (como nos Projetos de Lei que tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados), seja como uma especialidade exclusiva dos Profissionais da Saúde já regulamentados -, toda essa formulação parece-me muito pertinente e, inclusive, essencial para ajudar a pensar sua história recente e sua atual configuração no cenário nacional.

De um lado, a Ciência Convencional exibe hoje uma parafernália de explicações sobre a cientificidade da acupuntura – cientificidade essa bastante contestada no meio acadêmico e nos “laboratórios” (à maneira de Latour) da própria medicina oficial – com seus actantes[1] (leia-se endorfinas, cortisol endógeno, etc) que solucionariam qualquer dúvida, qualquer discordância e dissolveriam como mágica-ciência a idéia propagada por tanto tempo, pelos próprios cientistas, de charlatanismo (esse que é tão severamente combatido e que já foi, não há muito tempo, o substantivo que albergava a prática da acupuntura) e celebrariam assim, com as méritos da descoberta, a chegada da Acupuntura à modernidade. Sobre essa afirmação, desenvolverei um aparte, com a ajuda das idéias trabalhadas por Latour em Ciência em Ação, em especial sobre a noção de translação e as táticas desenvolvidas pelos construtores do fato em ação.

Do outro lado, ainda entre “as representações da natureza mais ou menos distorcidas ou codificadas pelas preocupações culturais dos humanos, que os preenchem por inteiro, e apenas por acidente percebem (…) as coisas como elas realmente são[2]” se encontra a Medicina Chinesa e seus milênios de “equívocos” que agora se esvairão, inevitavelmente, segundo as intenções dos profissionais interessados, sob os auspícios da ciência oficial. Lancei mão dessa afirmação recheada de cinismo para expor algo mais sério: estamos diante de um tribunal da razão (latour, 2000:293) e, portanto, talvez seja apropriado, como recomenda Latour, a inversão dos resultados dos julgamentos de irracionalidade e, assim, subverter as regras do jogo, questionando a origem dos juizes e expondo as testemunhas – o que desenvolverei mais adiante...

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