Poema 18 do Tao Te Ching
大道廢
有仁義
智慧出
有大偽
六親不和
有孝慈
國家昏亂
有忠臣
Quando o grande Tao é abandonado,
Aparecem a benevolência e a justiça.
Quando surge a sabedoria,
Aparece a hipocrisia.
Quando os Seis Relacionamentos não são harmônicos,
Aparecem o amor filial e a compaixão.
Quando a pátria está em confusão,
Aparecem os servidores leais.
Quando um conceito é formado, significa que ele passou a ser uma necessidade. Segundo Lao Tzu, na longínqua antiguidade todos viviam de acordo com o grande Tao. Tudo era espontaneamente correto. Quando se perdeu o grande Tao, e as coisas passaram a não dar certo naturalmente, foram criados conceitos para suprir essa falta, o que o taoísmo considera artificialismo: benevolência, justiça, amor filial, compaixão, sabedoria e lealdade - virtudes capitais para o confucionismo.
Os "Seis Relacionamentos" são três pares de relações mútuas: pais-filhos, irmãos mais velhos-irmãos mais novos, marido esposa.
Como volta e meia aparecem críticas do taoísmo ao modelo confucionista, a mente ocidental tende a colocá-los em campos opostos. No entanto, como certo estudioso já se expressou:
"Tradicionalmente, todo chinês era confucionista na ética e na vida pública, taoísta na vida privada e em questões de higiene, e budista na hora da morte, com uma saudável pitada de xamanismo popular lançada ao longo da jornada”
Quando os Seis Relacionamentos não são harmônicos, aparecem o amor filial e a compaixão.
Os pais devem criar e educar os filhos.
Os filhos devem obedecer ao pais e ampará-los na velhice.
Os irmãos mais velhos devem orientar os mais novos.
Os irmãos mais novos devem seguir os mais velhos.
O marido deve amar e proteger a esposa.
A esposa deve amar e servir o marido.
O fato de estar explícito o comando nessas frases, através do verbo "dever", indica que esses comportamentos não são mais naturais (ou seja, de acordo com o Tao), e precisam de uma regulação externa.
Quando a pátria está em confusão, aparecem os servidores leais.
Quando está tudo bem na pátria, ninguém sabe nem quem é o governante.
Quando surge a confusão, os movimentos políticos palacianos são mais evidentes, o governante precisa de auxílio e de apoio, aí aparecem os ministros leais.
A figura do ministro (ou outro servidor) leal é louvada em outras escolas, como a confucionista e a moísta, mas para o taoísmo, é um sintoma de um problema no governo
Poema 19 do Tao Te Ching
絕聖棄智
民利百倍
絕仁棄義
民復孝慈
絕巧棄利
盜賊無有
此三者以為文不足
故令有所屬
見素抱樸
少私寡欲
Eliminando a sabedoria e descartando a inteligência,
O povo se beneficia cem vezes mais.
Eliminando a benevolência e descartando a justiça,
O povo retorna ao amor filial e à compaixão.
Eliminando as técnicas e descartando o ganho,
Acabam-se os ladrões e os bandidos.
Essas três recomendações não bastam;
É necessário mais outra sobre o que incluir:
Aparência modesta, com simplicidade no interior;
Reduzir o egoísmo e diminuir os desejos.
Lao Tzu apresenta, nesse capítulo, quatro conjuntos de recomendações ao governante:
- eliminar a sabedoria e descartar a inteligência;
- eliminar a benevolência e descartar a justiça;
- eliminar as técnicas e descartar o ganho;
- manter um exterior modesto e uma simplicidade interior, diminuir o egoísmo e os desejos.
O último conjunto de recomendações, que é mais facilmente compreendido, é um sumário dos outros três. Ele apresenta de maneira positiva (o que começar a fazer) aquilo que os outros três apresentam de maneira negativa (o que deixar de fazer).
Instituições exteriores inventadas pelo homem devem dar lugar a elementos da constituição interna orgânica da natureza.
Sabedoria/Inteligência - conhecimentos acumulados, que apenas nos enchem e não nos fazem felizes.
Benevolência/justiça - a ação caridosa que deve ser cultivada para que alguém seja reconhecido como "justo".
Técnicas/ganho - as invenções e a tecnologia são logo apropriadas por alguns poucos para gerar lucro a partir da exploração de muitos.
Para Lao Tzu, o aperfeiçoamento do homem e da sociedade não é feito pelo acúmulo de qualidades e ações deliberadas, mas pelo puro esvaziamento de todas as artificialidades. Ele prega uma "desregulamentação" das virtudes, para que a grande Virtude, que é o poder expresso do Tao possa, simplesmente, acontecer. Daí o nome do livro: "Clássico do Tao e seu Poder (Te). TAO e TE são os grandes temas aí.
Poema 20 do Tao Te Ching
絕學無憂,
唯之與阿,
相去幾何?
善之與惡,
相去若何?
人之所畏,
不可不畏。
荒兮其未央哉!
衆人熙熙,
如享太牢,
如春登臺。
我獨怕兮其未兆;
如嬰兒之未孩;
儽儽兮若無所歸。
衆人皆有餘,
而我獨若遺。
我愚人之心也哉!
沌沌兮,
俗人昭昭,
我獨若昏。
俗人察察,
我獨悶悶。
澹兮其若海,
飂兮若無止,
衆人皆有以,
而我獨頑似鄙。
我獨異於人,
而貴食母。
Eliminando a erudição, acabam-se as preocupações.
Entre "Um-hum!" e "Oh!",
Quanta diferença há?
Entre o belo e o feio,
Que diferença há?
O que os homens temem
É impossível não temer.
Oh, que imensa aridez!
O povão fica radiante,
Como quem desfruta de um grande banquete,
Como quem passeia pelos terraços de primavera.
Eu, por outro lado, não manifesto um sinal de preocupação.
Como um bebê que ainda não sorri,
Como se, exausto, não tivesse para onde retornar.
O povão vive pela fartura,
Enquanto eu não me importo com nada.
Minha mente é de um estúpido!
Alheio a tudo.
As pessoas comuns querem o brilho,
Mas eu sou nebuloso.
As pessoas comuns investigam a fundo,
Eu, por outro lado, fico em minha perplexidade.
Cheio de marolas, como o mar!
Inquieto, como o vento agitado!
As pessoas comuns tem os meios e fins precisos,
Eu sou rude e desprezível.
Eu sou diferente dos outros,
Dou valor à mãe que alimenta.
Lao Tzu continua sua crítica ferrenha contra a figura do sábio que é cheio de conhecimento.
Isso pode nos causar estranhamento, pois cultivamos um "sábio chinês" na nossa imaginação. Talvez um velhinho frágil, de vetusta barba, em atitude circunspecta, ouvindo nossas angústias, pontuando nossa fala com um eventual "Um-hum" de concordância ou um "Oh!" de admiração. Lao Tzu simplesmente aniquila essa fantasia.
Discussões teóricas sobre a beleza e a feiúra levam a delimitações conceituais artificiais.
Disso nada se conclui para o bom proveito da vida. O que os homens temem, continuam a temer.
O discurso desses sábios é de uma aridez sem fim, mas cativa o povão, que se deleita ao ouvir.
Lao Tzu não se importa com nada disso. Mantém sua inocência e não se perturba com esses assuntos. O bebê que ainda não aprendeu a sorrir mantém sua pureza, ignorando os estímulos exteriores.
O povão gosta da abundância e busca a fartura. Lao Tzu não está nem aí pra isso.
Em vez uma superfície plácida, ele tem marolas como o mar. Em vez de estático e imóvel, ele se agita como o vento.
Enfim, ele valoriza "a mãe que alimenta". A "mãe de todas as coisas" é o Tao (ver poema 1), e falar que é alimentado por essa mãe quer dizer que ele é sustentado pelo Tao.
Poema 21 do Tao Te Ching
孔德之容
唯道是從
道之為物
唯恍唯惚
忽兮恍兮
其中有象
恍兮忽兮
其中有物
窈兮冥兮
其中有精
其精甚真
其中有信
自古及今
其名不去
以順衆甫
吾何以知衆甫之然哉
以此
A expressão do grande Poder
Está em seguir o Tao.
A materialização do Tao
É, de fato, indefinida e indistinta.
Indistinta!! Indefinida!!
Em seu interior estão as formas.
Indefinida!! Indistinta!!
Em seu interior estão as coisas.
Profundo!! Obscuro!!
Em seu interior está a essência.
Sua essência é o mais verdadeiro.
Nela está a certeza.
Desde tempos antigos até agora,
Seu nome não se perdeu.
A ele segue o patriarca dos povos.
Como eu conheço a natureza do patriarca dos povos?
Por isso.
Lembrando que o Tao Te Ching é o "Clássico do Tao e seu Poder", temos aqui uma menção a esse poder: ele se manifesta naquele que segue o Tao. O caractere 德 significa, comumente, "virtude, moralidade", mas a filosofia taoísta utiliza-o para expressar a manifestação do Tao em alguém, ou o poder vindo do Tao. Vários capítulos vão se dedicar ao tema desse Poder.
Quando o Tao está para ser manifestado como esse Poder, não é bem discernível. Mas em seu interior está a ideia (forma), a materialidade e a essência de todas as coisas.
E, numa espécie de círculo que contém a si mesmo, dentro da essência está aquilo que não perde o nome, isto é, o Tao. O patriarca de todos os povos, isto é, a origem de tudo, se conforma ao Tao e por isso existe. Se não se conformasse ao Tao, não existiria.
25 de fev. de 2016
8 de fev. de 2016
"APRESENTANDO O TAO TE CHING" 14, 15, 16 e 17
Postado por
Lin Chi
Poema 14 do Tao Te Ching
視之不見
名曰夷
聽之不聞
名曰希
搏之不得
名曰微
此三者不可致詰
故混而為一
其上不皦
其下不昧
繩繩不可名
復歸於無物
是謂無狀之狀
無物之象
是謂惚恍
迎之不見其首
隨之不見其後
執古之道
以御今之有
能知古始
是謂道紀
Quando olhado, não é visto:
Seu nome é "Raso".
Quando escutado, não é ouvido:
Seu nome é "Esparso".
Quando é perseguido, não é obtido:
Seu nome é "Mínimo".
Com esses três não é possível investigar,
E tudo se confunde num só.
Superiormente, não reluz.
Inferiormente, não faz sombra.
Sua continuidade não pode ser nomeada.
Ao retornar ao imaterial, é chamado "Forma sem forma";
A imagem do imaterial é chamada "Nebuloso".
Quando está vindo, não se vê sua frente;
Quando se vai atrás dele, não se veem suas costas.
O Tao que mantém o passado,
Por possuir o controle do agora,
Conhece o princípio primordial.
Isso é chamado "marcas do Tao".
A realidade do Tao não pode ser apreendida pelos sentidos ordinários. Cada um deles percebe o Tao de maneira particular e superficial.
Ele está além da visão que separa cima e baixo, dentro e fora, eu e o outro. Ele está em constante movimento, e recebe diferentes nomes em cada momento ou função. Assim, a vida se movimenta, entre o material e o imaterial, e um não vem antes do outro.
Ao longo do tempo, há o Tao.
Essas características, percepções e funções, são as marcas do Tao, ou o registro dele no mundo perceptível.
Poema 15 do Tao Te Ching
古之善為道者
微妙玄通
深不可識
夫唯不可識
故強為之容
豫兮若冬涉川
猶兮若畏四鄰
儼兮其若客
渙兮若冰之將釋
敦兮其若樸
曠兮其若谷
混兮其若濁
孰能濁以靜之徐清
孰能安以久動之徐生
保此道者
不欲盈
夫唯不盈
故能蔽不新成
Na antiguidade, os perfeitos seguidores do Tao
Eram sutis, obscuros e a tudo alcançavam.
Impossível conhecê-los em profundidade.
Não se podendo conhecê-los, forçamos uma descrição:
Precavidos, como quem atravessa um rio no inverno;
Tímidos, como quem receia todos os vizinhos;
Discretos, como um hóspede;
Desvanecidos, como o gelo que derrete;
Simplório, como um pedaço de pau;
Amplos, como os vales;
Confusos, como a água turva;
A água turva, em repouso, clareia aos poucos;
O que está em repouso, tarda em mover, e cresce aos poucos;
Aquele que guarda esse Tao
Não deseja tornar-se repleto;
Assim pode evitar ser cheio até a repleção.
O poema inicia se referindo à "antiguidade". Laozi observava a situação caótica da sociedade, e localizava seu mundo ideal num período anterior à civilização.
A lista de comparações busca evidenciar a incompreensão das pessoas civilizadas frente ao perfeito seguidor do Tao.
No final, o autor destaca que o perfeito seguidor do Tao não deseja tornar-se repleto, ou totalmente "cheio", pois, como visto no poema 11, o seu poder está no Vazio.
Poema 16 do Tao Te Ching
致虛極
守靜督
萬物並作
吾以觀復
夫物芸芸
各復歸其根
歸根曰靜
是謂復命
復命曰常
知常曰明
不知常
妄作凶
知常容
容乃公
公乃王
王乃天
天乃道
道乃久
沒身不殆
Alcançar o Vazio é o ponto máximo;
Guardar a quietude é a norma principal.
Todas as coisas surgem solidariamente,
E contemplamos o seu retorno.
As coisas existem em uma variedade de expressões,
Cada uma retorna à sua origem.
Retornar à origem é quietude;
Isso é chamado retornar à vida ordenada.
Retornar à vida ordenada é o Permanente.
Conhecer o Permanente é iluminação.
Não conhecer o Permanente é perder-se na desgraça.
Conhecer o Permanente é ter tolerância;
Tolerância leva à comunhão;
Comunhão leva a ser rei;
Ser rei leva ao Céu;
O céu leva ao Tao;
O Tao leva à longa existência.
Até o seu fim, não haverá perigo.
As coisas existem dentro de um ciclo. Todas surgem, existem por um tempo, e retornam ao seu princípio. Existe interdependência entre todas as coisas, e, apesar de tomarem diferentes formas, todas cumprem esse ciclo.
Retornar à sua origem é algo prescrito também para a sociedade humana moderna. Retornar à origem é voltar para a sua natureza primordial, para a vida "ordenada", constituída. "Vida", nesse sentido, se escreve 命. Uma voz (口) que faz um chamamento (令). Uma vida com direção. Um outro conceito de vida é 生, que representa uma plantinha brotando do chão. É o conceito da vida biológica, vegetativa. "Being Tao" em chinês é 命道 - o Caminho (Tao) da Vida.
O que o poema chama de "Permanente" é a qualidade de ser mutável, que permeia tudo. "Só uma coisa não muda: o fato de tudo estar se transformando".
Ter a realização disso nos torna mais compreensivos e tolerantes. Assim podemos viver em comunidade. Uma comunidade onde há tolerância recíproca tem poder de se governar. Tal governo segue a lei do Céu, que é o Tao. E dentro do Tao, tudo se mantém por muito tempo.
Poema 17 do Tao Te Ching
太上
下知有之
其次
親而譽之
其次
畏之
其次
侮之
信不足焉
有不信焉
悠兮
其貴言
功成事遂
百姓皆謂
我自然
Do Grande Supremo,
Os de baixo só sabem da existência;
Ao que vem em seguida,
Eles amam e louvam;
Ao que vem em seguida,
Eles temem;
Ao que vem em seguida,
Eles desprezam.
Quem não confia o bastante
Não receberá confiança.
Relaxe!
A sua palavra é valorizada.
O trabalho é realizado e a tarefa, cumprida.
E o povo comum dirá:
"Fizemos naturalmente."
Mais um poema dirigido aos governantes. A sequencia apresentada no início (onde há um superior de quem só sabem que existe, depois há outro a quem amam e louvam, e assim por diante) é melhor entendida se vista como uma cronologia. Numa época remota e perfeita, o povo só sabia que o governante existia, e não tinha outras preocupações à respeito dele. Conforme o tempo passa, essa relação se deteriora: o governante precisa mostrar suas obras para ser amado, precisa mostrar seu poder para ser temido, e é desprezado quando erra.
O governante deve confiar no Tao, assim será digno da confiança daqueles abaixo dele. O que ele diz é levado em conta. Tudo é realizado a contento. E o povo a tudo faz sem se sentir constrangido, de livre e espontânea vontade.
Curiosidade: "povo comum" é 百姓. Literalmente, "cem sobrenomes".
Apesar da imensa população da China, os chineses compartilham umas poucas centenas de sobrenomes. Existem, por exemplo, cem milhões de chineses com o sobrenome 張. Todos os que tem o mesmo sobrenome compartilham de algum ancestral comum. Por outro lado, os nomes pessoais são bastante exclusivos, e é difícil encontrar alguém com o mesmo nome.
- a imensa maioria dos chineses tem um sobrenome de uma sílaba (Woo, Wang, Zhang, Zhao,...) e um nome pessoal de duas sílabas (Moo-Shong, Hsiao-Po, Honghua, Deming,...)
- Alguns chineses tem o nome pessoal com apenas uma sílaba. Por exemplo, Li Ding (um famoso mestre de Qigong - seu sobrenome é "Li" e seu nome pessoal, "Ding").
- existe uma meia dúzia de sobrenomes com duas sílabas. O sobrenome da minha avó era "Ouyang", o sobrenome do grande historiador da antiguidade chinesa, Sima Qian, também tem duas sílabas ("Sima").
視之不見
名曰夷
聽之不聞
名曰希
搏之不得
名曰微
此三者不可致詰
故混而為一
其上不皦
其下不昧
繩繩不可名
復歸於無物
是謂無狀之狀
無物之象
是謂惚恍
迎之不見其首
隨之不見其後
執古之道
以御今之有
能知古始
是謂道紀
Quando olhado, não é visto:
Seu nome é "Raso".
Quando escutado, não é ouvido:
Seu nome é "Esparso".
Quando é perseguido, não é obtido:
Seu nome é "Mínimo".
Com esses três não é possível investigar,
E tudo se confunde num só.
Superiormente, não reluz.
Inferiormente, não faz sombra.
Sua continuidade não pode ser nomeada.
Ao retornar ao imaterial, é chamado "Forma sem forma";
A imagem do imaterial é chamada "Nebuloso".
Quando está vindo, não se vê sua frente;
Quando se vai atrás dele, não se veem suas costas.
O Tao que mantém o passado,
Por possuir o controle do agora,
Conhece o princípio primordial.
Isso é chamado "marcas do Tao".
Ele está além da visão que separa cima e baixo, dentro e fora, eu e o outro. Ele está em constante movimento, e recebe diferentes nomes em cada momento ou função. Assim, a vida se movimenta, entre o material e o imaterial, e um não vem antes do outro.
Ao longo do tempo, há o Tao.
Essas características, percepções e funções, são as marcas do Tao, ou o registro dele no mundo perceptível.
Poema 15 do Tao Te Ching
古之善為道者
微妙玄通
深不可識
夫唯不可識
故強為之容
豫兮若冬涉川
猶兮若畏四鄰
儼兮其若客
渙兮若冰之將釋
敦兮其若樸
曠兮其若谷
混兮其若濁
孰能濁以靜之徐清
孰能安以久動之徐生
保此道者
不欲盈
夫唯不盈
故能蔽不新成
Na antiguidade, os perfeitos seguidores do Tao
Eram sutis, obscuros e a tudo alcançavam.
Impossível conhecê-los em profundidade.
Não se podendo conhecê-los, forçamos uma descrição:
Precavidos, como quem atravessa um rio no inverno;
Tímidos, como quem receia todos os vizinhos;
Discretos, como um hóspede;
Desvanecidos, como o gelo que derrete;
Simplório, como um pedaço de pau;
Amplos, como os vales;
Confusos, como a água turva;
A água turva, em repouso, clareia aos poucos;
O que está em repouso, tarda em mover, e cresce aos poucos;
Aquele que guarda esse Tao
Não deseja tornar-se repleto;
Assim pode evitar ser cheio até a repleção.
O poema inicia se referindo à "antiguidade". Laozi observava a situação caótica da sociedade, e localizava seu mundo ideal num período anterior à civilização.
A lista de comparações busca evidenciar a incompreensão das pessoas civilizadas frente ao perfeito seguidor do Tao.
No final, o autor destaca que o perfeito seguidor do Tao não deseja tornar-se repleto, ou totalmente "cheio", pois, como visto no poema 11, o seu poder está no Vazio.
Poema 16 do Tao Te Ching
致虛極
守靜督
萬物並作
吾以觀復
夫物芸芸
各復歸其根
歸根曰靜
是謂復命
復命曰常
知常曰明
不知常
妄作凶
知常容
容乃公
公乃王
王乃天
天乃道
道乃久
沒身不殆
Alcançar o Vazio é o ponto máximo;
Guardar a quietude é a norma principal.
Todas as coisas surgem solidariamente,
E contemplamos o seu retorno.
As coisas existem em uma variedade de expressões,
Cada uma retorna à sua origem.
Retornar à origem é quietude;
Isso é chamado retornar à vida ordenada.
Retornar à vida ordenada é o Permanente.
Conhecer o Permanente é iluminação.
Não conhecer o Permanente é perder-se na desgraça.
Conhecer o Permanente é ter tolerância;
Tolerância leva à comunhão;
Comunhão leva a ser rei;
Ser rei leva ao Céu;
O céu leva ao Tao;
O Tao leva à longa existência.
Até o seu fim, não haverá perigo.
As coisas existem dentro de um ciclo. Todas surgem, existem por um tempo, e retornam ao seu princípio. Existe interdependência entre todas as coisas, e, apesar de tomarem diferentes formas, todas cumprem esse ciclo.
Retornar à sua origem é algo prescrito também para a sociedade humana moderna. Retornar à origem é voltar para a sua natureza primordial, para a vida "ordenada", constituída. "Vida", nesse sentido, se escreve 命. Uma voz (口) que faz um chamamento (令). Uma vida com direção. Um outro conceito de vida é 生, que representa uma plantinha brotando do chão. É o conceito da vida biológica, vegetativa. "Being Tao" em chinês é 命道 - o Caminho (Tao) da Vida.
O que o poema chama de "Permanente" é a qualidade de ser mutável, que permeia tudo. "Só uma coisa não muda: o fato de tudo estar se transformando".
Ter a realização disso nos torna mais compreensivos e tolerantes. Assim podemos viver em comunidade. Uma comunidade onde há tolerância recíproca tem poder de se governar. Tal governo segue a lei do Céu, que é o Tao. E dentro do Tao, tudo se mantém por muito tempo.
Poema 17 do Tao Te Ching
太上
下知有之
其次
親而譽之
其次
畏之
其次
侮之
信不足焉
有不信焉
悠兮
其貴言
功成事遂
百姓皆謂
我自然
Do Grande Supremo,
Os de baixo só sabem da existência;
Ao que vem em seguida,
Eles amam e louvam;
Ao que vem em seguida,
Eles temem;
Ao que vem em seguida,
Eles desprezam.
Quem não confia o bastante
Não receberá confiança.
Relaxe!
A sua palavra é valorizada.
O trabalho é realizado e a tarefa, cumprida.
E o povo comum dirá:
"Fizemos naturalmente."
Mais um poema dirigido aos governantes. A sequencia apresentada no início (onde há um superior de quem só sabem que existe, depois há outro a quem amam e louvam, e assim por diante) é melhor entendida se vista como uma cronologia. Numa época remota e perfeita, o povo só sabia que o governante existia, e não tinha outras preocupações à respeito dele. Conforme o tempo passa, essa relação se deteriora: o governante precisa mostrar suas obras para ser amado, precisa mostrar seu poder para ser temido, e é desprezado quando erra.
O governante deve confiar no Tao, assim será digno da confiança daqueles abaixo dele. O que ele diz é levado em conta. Tudo é realizado a contento. E o povo a tudo faz sem se sentir constrangido, de livre e espontânea vontade.
Curiosidade: "povo comum" é 百姓. Literalmente, "cem sobrenomes".
Apesar da imensa população da China, os chineses compartilham umas poucas centenas de sobrenomes. Existem, por exemplo, cem milhões de chineses com o sobrenome 張. Todos os que tem o mesmo sobrenome compartilham de algum ancestral comum. Por outro lado, os nomes pessoais são bastante exclusivos, e é difícil encontrar alguém com o mesmo nome.
- a imensa maioria dos chineses tem um sobrenome de uma sílaba (Woo, Wang, Zhang, Zhao,...) e um nome pessoal de duas sílabas (Moo-Shong, Hsiao-Po, Honghua, Deming,...)
- Alguns chineses tem o nome pessoal com apenas uma sílaba. Por exemplo, Li Ding (um famoso mestre de Qigong - seu sobrenome é "Li" e seu nome pessoal, "Ding").
- existe uma meia dúzia de sobrenomes com duas sílabas. O sobrenome da minha avó era "Ouyang", o sobrenome do grande historiador da antiguidade chinesa, Sima Qian, também tem duas sílabas ("Sima").
3 de fev. de 2016
"APRESENTANDO O TAO TE CHING" 9, 10, 11, 12 e 13
Postado por
Lin Chi
Poema 9 do Tao Te Ching
持而盈之
不如其已
揣而銳之
不可長保
金玉滿堂
莫之能守
富貴而驕
自遺其咎
功遂身退
天之道
Manter o vaso cheio
Não é tão bom quanto renunciar a si mesmo.
Afiar continuamente um punhal
Faz com que ele não dure muito.
Um salão cheio de ouro e jade
Não pode ser mantido em segurança.
Orgulhar-se de riquezas e honrarias
Faz com que elas mesmas sejam perdidas.
Concluir o trabalho e afastar-se,
Esse é o Tao do Céu.
O "vaso" a que se refere o primeiro verso é um vaso ritual utilizado nas cerimônias confucionistas. Mais uma vez, uma crítica de Lao Tzu ao que ele considera um excesso de valorização dos rituais e cerimônias.
O poema segue, criticando os excessos, que muitas vezes são causa de ruína.
O comedimento e a temperança são o Tao do Céu, isto é, a Lei Natural que conduz à felicidade.
Curiosidade cultural: muitas vezes os pais chineses escolhem os nomes dos filhos inspirando-se em algum trecho de obras clássicas. Quando eu e meu pai estivemos em Chenjiagou (vila onde se originou o Tai Chi Chuan, e onde virtualmente toda a população pratica), ele criou uma forte amizade com o mestre Huang Man-Tang. Os nomes de pessoa no Oriente tem, em primeiro lugar, o nome de família, e, depois, o nome próprio. O nome do meu pai é, segundo o costume oriental, Woo Moo-Shong. Pois bem, o nome próprio do mestre Huang é "Man-Tang", ou "Salão Pleno", expressão que aparece no quinto verso do poema acima e que exprime o desejo dos seus pais de uma casa com fartura, onde nada falte.
Capítulo 10 do Tao Te Ching
A composição desse poema abre um amplo leque de interpretações possíveis.
載營魄抱一
能無離乎
專氣致柔
能嬰兒乎
滌除玄覽
能無疵乎
愛民治國
能無知乎
天門開闔
能為雌乎
明白四達
能無知乎
生之畜之
生而不有
為而不恃
長而不宰
是謂玄德
Fazendo uso da alma, abraça-se o Um;
É possível, então, não O deixar?
Concentrando o Qi, alcançamos a suavidade;
É possível, então, ser como um bebê?
Purificando a visão profunda,
É possível livrá-la de máculas?
Amar o povo e dirigir o país,
Pode ser feito sem o conhecimento?
Abrir e fechar as portas do céu,
Pode ser feito com feminilidade?
Ter a visão clara dos quatro extremos,
É possível sem o conhecimento?
Gerar, nutrir;
Gerar sem se apoderar;
Realizar sem condicionantes;
Fazer crescer sem dominar;
Isso se chama Poder Misterioso.
O poema começa com uma série de perguntas. Esse questionário avalia se o sujeito alcançou o Tao e se já se imbuiu do seu Poder ("Te", o Poder do Caminho, ou o poder manifesto por aquele que já realizou o Tao).
No taoísmo, temos várias expressões da alma:
魄 é geralmente traduzido como alma corpórea - é a porção animal da alma;
魂 é geralmente traduzido como alma extra-corpórea - a porção da alma que carrega nossas memórias e experiências; e assim por diante.
No poema, 魄 representa toda a nossa composição, todo o nosso ser. Se praticarmos até obtermos o Um, ou o Tao, seria possível deixarmos de tê-lo? (num paralelo pobre, mas que esclarece: "é possível que um ovo já cozido volte a ser cru?")
O verso que trata a concentração no Qi fundamenta as práticas de qigong ainda hoje.
A palavra "conhecimento" (知) no texto se refere ao conhecimento racional, objetivo, conceitual.
Quem responde "sim" a essas perguntas, obteve a visão profunda do Tao e alcançou seu misterioso poder.
Obs.: segundo verso - melhor escrito como "É possível, então, sempre O manter?"
Essas perguntas retóricas com negativas...
Poema 11 do Tao Te Ching
三十輻
共一轂
當其無
有車之用
埏埴以為器
當其無
有器之用
鑿戶牖以為室
當其無
有室之用
故有之以為利
無之以為用
Trinta raios de uma roda
Reúnem-se no eixo,
Mas é o seu vazio (onde o eixo se encaixa)
Que concede função ao carro.
A argila dá forma ao vaso,
Mas é o seu vazio
Que lhe dá utilidade.
Portas e janelas se destacam na parede,
Mas é o seu vazio (sua abertura)
Que torna útil a casa.
O Existir busca o acúmulo.
O Não-existir busca a função.
Conferimos a qualidade de ser real àquilo que vemos, tocamos, pesamos, medimos. Mas "a coisa" que permite que elas funcionem é o próprio vazio.
Em Medicina falamos de "estrutura e função". O paradigma antigo prescrevia que um mau funcionamento seria decorrente, necessariamente, de uma alteração na estrutura. Mas a observação de que haviam, sim, distúrbios funcionais, sem comprometimento estrutural, mudou essa visão.
Em nosso relacionamento com os demais, que valores temos mais prezados? Os exteriores e visíveis, ou a própria dinâmica da amizade?
Em nosso trabalho conosco mesmo, será que temos nos apegado a construções de orgulho, mecanismos de defesa, de neuroses? O que é o nosso vazio interno, pleno de potencialidade?
Poema 12 do Tao Te Ching
五色令人目盲
五音令人耳聾
五味令人口爽
馳騁田獵
令人心發狂
難得之貨
令人行妨
是以聖人
為腹不為目
故去彼取此
As cinco cores tornam as pessoas cegas;
As cinco notas musicais tornam as pessoas surdas;
Os cinco sabores tornam as pessoas sem paladar;
Galopadas e caçadas nos campos
Deixam as pessoas com a mente perturbada;
Haver objetos que são difíceis de se obter
Faz com que haja necessidade de os esconder.
Por isso, o Sábio
Age em prol da barriga e não em prol do olho,
Recusa este e busca aquele.
A quantidade "cinco" se refere aos Cinco Elementos: Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água. Na filosofia chinesa, esses cinco elementos abarcam todos os fenômenos. Assim, "cinco" significa "toda a variedade".
As cinco cores são: verde, vermelho, amarelo, branco e preto. A música tradicional chinesa utiliza a escala pentatônica, com cinco notas musicais: shang, yu, jue, zhi, gong. Os cinco sabores são: ácido, amargo, doce, picante e salgado.
Embriagar-se com a riqueza de estímulos que chegam aos nossos sentidos embota a nossa percepção. Deixar-se levar por aquilo que nos dá apenas prazer ("galopadas e caçadas") prejudica a capacidade de julgar a realidade.
Agir em prol da barriga é encontrar satisfação em saciar as necessidades fundamentais.
Não agir em prol do olho é não cobiçar aquilo que é além da conta, o supérfluo. E quanta coisa supérflua tomamos como essenciais!
Poema 13 do Tao Te Ching
寵辱若驚
貴大患若身
何謂寵辱若驚
寵為下
得之若驚
失之若驚
是謂寵辱若驚
何謂貴大患若身
吾所以有大患者
為吾有身
及吾無身
吾有何患
故貴以身為天下
若可寄天下
愛以身為天下
若可託天下
O agrado rebaixa, causa temor.
Considere as grandes desgraças como a si mesmo.
O que quer dizer "O agrado rebaixa, causa temor"?
O agrado inferioriza,
Recebê-lo causa temor,
Deixar de tê-lo causa temor.
Isso é que quer dizer "O agrado rebaixa, causa temor".
O que quer dizer "Considere as grandes desgraças como a si mesmo"?
Para que eu sofra grande desgraça,
É preciso que eu tenha um eu-mesmo.
Se eu não tivesse um eu-mesmo,
Que desgraça eu poderia sofrer?
Assim, àquele que valoriza a si mesmo tanto quanto valoriza o mundo
Pode-se confiar o mundo.
Àquele que ama a si mesmo tanto quanto o mundo
Pode-se entregar o mundo.
Receber agrados, ser elogiado, tudo isso pode nos tornar dependentes da sensação de satisfação com nós mesmos. Essa possibilidade amedronta (驚). Nesse caractere há a figura do cavalo (馬), então imaginamos um cavalo que está assustado. É essa sensação de medo e inquietação que é referida aqui, e que aparece na expectativa do agrado ("Eu mereço! Cadê o elogio?") e quando não recebemos o agrado ("Sou bom, por que não sou elogiado?").
Sentimos aflições porque somos centrados em nós mesmos, num "eu" que construímos ao longo da vida, uma máscara que permite a interação com o mundo a nossa volta e protege de ameaças externas. É uma máscara tão funcional, e que vamos cultivando por tanto tempo, que pensamos que ela seja "eu".
Para não ter aflições, esvazie o "eu" (fácil falar, difícil realizar).
Fechando o poema, versos que lembram a obra de redenção contida na mensagem cristã: Aquele que ama o mundo como a si mesmo, a ele o mundo é confiado.
Curiosidade:
Fazer um agrado, mimar uma criança se escreve com 寵. Ter um dragão (龍) sob o mesmo teto (宀). Pais de crianças mimadas reconhecem a imagem.
持而盈之
不如其已
揣而銳之
不可長保
金玉滿堂
莫之能守
富貴而驕
自遺其咎
功遂身退
天之道
Manter o vaso cheio
Não é tão bom quanto renunciar a si mesmo.
Afiar continuamente um punhal
Faz com que ele não dure muito.
Um salão cheio de ouro e jade
Não pode ser mantido em segurança.
Orgulhar-se de riquezas e honrarias
Faz com que elas mesmas sejam perdidas.
Concluir o trabalho e afastar-se,
Esse é o Tao do Céu.
O "vaso" a que se refere o primeiro verso é um vaso ritual utilizado nas cerimônias confucionistas. Mais uma vez, uma crítica de Lao Tzu ao que ele considera um excesso de valorização dos rituais e cerimônias.
O poema segue, criticando os excessos, que muitas vezes são causa de ruína.
O comedimento e a temperança são o Tao do Céu, isto é, a Lei Natural que conduz à felicidade.
Curiosidade cultural: muitas vezes os pais chineses escolhem os nomes dos filhos inspirando-se em algum trecho de obras clássicas. Quando eu e meu pai estivemos em Chenjiagou (vila onde se originou o Tai Chi Chuan, e onde virtualmente toda a população pratica), ele criou uma forte amizade com o mestre Huang Man-Tang. Os nomes de pessoa no Oriente tem, em primeiro lugar, o nome de família, e, depois, o nome próprio. O nome do meu pai é, segundo o costume oriental, Woo Moo-Shong. Pois bem, o nome próprio do mestre Huang é "Man-Tang", ou "Salão Pleno", expressão que aparece no quinto verso do poema acima e que exprime o desejo dos seus pais de uma casa com fartura, onde nada falte.
Capítulo 10 do Tao Te Ching
A composição desse poema abre um amplo leque de interpretações possíveis.
載營魄抱一
能無離乎
專氣致柔
能嬰兒乎
滌除玄覽
能無疵乎
愛民治國
能無知乎
天門開闔
能為雌乎
明白四達
能無知乎
生之畜之
生而不有
為而不恃
長而不宰
是謂玄德
Fazendo uso da alma, abraça-se o Um;
É possível, então, não O deixar?
Concentrando o Qi, alcançamos a suavidade;
É possível, então, ser como um bebê?
Purificando a visão profunda,
É possível livrá-la de máculas?
Amar o povo e dirigir o país,
Pode ser feito sem o conhecimento?
Abrir e fechar as portas do céu,
Pode ser feito com feminilidade?
Ter a visão clara dos quatro extremos,
É possível sem o conhecimento?
Gerar, nutrir;
Gerar sem se apoderar;
Realizar sem condicionantes;
Fazer crescer sem dominar;
Isso se chama Poder Misterioso.
O poema começa com uma série de perguntas. Esse questionário avalia se o sujeito alcançou o Tao e se já se imbuiu do seu Poder ("Te", o Poder do Caminho, ou o poder manifesto por aquele que já realizou o Tao).
No taoísmo, temos várias expressões da alma:
魄 é geralmente traduzido como alma corpórea - é a porção animal da alma;
魂 é geralmente traduzido como alma extra-corpórea - a porção da alma que carrega nossas memórias e experiências; e assim por diante.
No poema, 魄 representa toda a nossa composição, todo o nosso ser. Se praticarmos até obtermos o Um, ou o Tao, seria possível deixarmos de tê-lo? (num paralelo pobre, mas que esclarece: "é possível que um ovo já cozido volte a ser cru?")
O verso que trata a concentração no Qi fundamenta as práticas de qigong ainda hoje.
A palavra "conhecimento" (知) no texto se refere ao conhecimento racional, objetivo, conceitual.
Quem responde "sim" a essas perguntas, obteve a visão profunda do Tao e alcançou seu misterioso poder.
Obs.: segundo verso - melhor escrito como "É possível, então, sempre O manter?"
Essas perguntas retóricas com negativas...
Poema 11 do Tao Te Ching
三十輻
共一轂
當其無
有車之用
埏埴以為器
當其無
有器之用
鑿戶牖以為室
當其無
有室之用
故有之以為利
無之以為用
Trinta raios de uma roda
Reúnem-se no eixo,
Mas é o seu vazio (onde o eixo se encaixa)
Que concede função ao carro.
A argila dá forma ao vaso,
Mas é o seu vazio
Que lhe dá utilidade.
Portas e janelas se destacam na parede,
Mas é o seu vazio (sua abertura)
Que torna útil a casa.
O Existir busca o acúmulo.
O Não-existir busca a função.
Conferimos a qualidade de ser real àquilo que vemos, tocamos, pesamos, medimos. Mas "a coisa" que permite que elas funcionem é o próprio vazio.
Em Medicina falamos de "estrutura e função". O paradigma antigo prescrevia que um mau funcionamento seria decorrente, necessariamente, de uma alteração na estrutura. Mas a observação de que haviam, sim, distúrbios funcionais, sem comprometimento estrutural, mudou essa visão.
Em nosso relacionamento com os demais, que valores temos mais prezados? Os exteriores e visíveis, ou a própria dinâmica da amizade?
Em nosso trabalho conosco mesmo, será que temos nos apegado a construções de orgulho, mecanismos de defesa, de neuroses? O que é o nosso vazio interno, pleno de potencialidade?
Poema 12 do Tao Te Ching
五色令人目盲
五音令人耳聾
五味令人口爽
馳騁田獵
令人心發狂
難得之貨
令人行妨
是以聖人
為腹不為目
故去彼取此
As cinco cores tornam as pessoas cegas;
As cinco notas musicais tornam as pessoas surdas;
Os cinco sabores tornam as pessoas sem paladar;
Galopadas e caçadas nos campos
Deixam as pessoas com a mente perturbada;
Haver objetos que são difíceis de se obter
Faz com que haja necessidade de os esconder.
Por isso, o Sábio
Age em prol da barriga e não em prol do olho,
Recusa este e busca aquele.
A quantidade "cinco" se refere aos Cinco Elementos: Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água. Na filosofia chinesa, esses cinco elementos abarcam todos os fenômenos. Assim, "cinco" significa "toda a variedade".
As cinco cores são: verde, vermelho, amarelo, branco e preto. A música tradicional chinesa utiliza a escala pentatônica, com cinco notas musicais: shang, yu, jue, zhi, gong. Os cinco sabores são: ácido, amargo, doce, picante e salgado.
Embriagar-se com a riqueza de estímulos que chegam aos nossos sentidos embota a nossa percepção. Deixar-se levar por aquilo que nos dá apenas prazer ("galopadas e caçadas") prejudica a capacidade de julgar a realidade.
Agir em prol da barriga é encontrar satisfação em saciar as necessidades fundamentais.
Não agir em prol do olho é não cobiçar aquilo que é além da conta, o supérfluo. E quanta coisa supérflua tomamos como essenciais!
Poema 13 do Tao Te Ching
寵辱若驚
貴大患若身
何謂寵辱若驚
寵為下
得之若驚
失之若驚
是謂寵辱若驚
何謂貴大患若身
吾所以有大患者
為吾有身
及吾無身
吾有何患
故貴以身為天下
若可寄天下
愛以身為天下
若可託天下
O agrado rebaixa, causa temor.
Considere as grandes desgraças como a si mesmo.
O que quer dizer "O agrado rebaixa, causa temor"?
O agrado inferioriza,
Recebê-lo causa temor,
Deixar de tê-lo causa temor.
Isso é que quer dizer "O agrado rebaixa, causa temor".
O que quer dizer "Considere as grandes desgraças como a si mesmo"?
Para que eu sofra grande desgraça,
É preciso que eu tenha um eu-mesmo.
Se eu não tivesse um eu-mesmo,
Que desgraça eu poderia sofrer?
Assim, àquele que valoriza a si mesmo tanto quanto valoriza o mundo
Pode-se confiar o mundo.
Àquele que ama a si mesmo tanto quanto o mundo
Pode-se entregar o mundo.
Receber agrados, ser elogiado, tudo isso pode nos tornar dependentes da sensação de satisfação com nós mesmos. Essa possibilidade amedronta (驚). Nesse caractere há a figura do cavalo (馬), então imaginamos um cavalo que está assustado. É essa sensação de medo e inquietação que é referida aqui, e que aparece na expectativa do agrado ("Eu mereço! Cadê o elogio?") e quando não recebemos o agrado ("Sou bom, por que não sou elogiado?").
Sentimos aflições porque somos centrados em nós mesmos, num "eu" que construímos ao longo da vida, uma máscara que permite a interação com o mundo a nossa volta e protege de ameaças externas. É uma máscara tão funcional, e que vamos cultivando por tanto tempo, que pensamos que ela seja "eu".
Para não ter aflições, esvazie o "eu" (fácil falar, difícil realizar).
Fechando o poema, versos que lembram a obra de redenção contida na mensagem cristã: Aquele que ama o mundo como a si mesmo, a ele o mundo é confiado.
Curiosidade:
Fazer um agrado, mimar uma criança se escreve com 寵. Ter um dragão (龍) sob o mesmo teto (宀). Pais de crianças mimadas reconhecem a imagem.
1 de fev. de 2016
"APRESENTANDO O TAO TE CHING" 6, 7 e 8
Postado por
Lin Chi
Um dos mais herméticos de todo o livro. Segue uma das traduções possíveis.
谷神不死
是謂玄牝
玄牝之門
是謂天地根
綿綿若存
用之不勤
O espírito do vale não morre,
É chamado "Fêmea Misteriosa".
O portal da "Fêmea Misteriosa"
É chamado "Raiz do Céu e da Terra".
Contínuo, como se sempre existente,
Sua aplicação não se esgota.
O espírito de um vale significa a atitude de um vale, que se mantém no baixo para receber as águas e os rios. É a simplicidade do sábio, que acolhe todas as variedades de pessoas, com seus pensamentos e maneiras de ser, e catalisa a sua transformação.
玄 significa obscura, escondida, misteriosa.
牝 significa a fêmea de um animal, ou fechadura, ou vale. Ou seja, aquilo que recebe algo, e gera uma mudança: surge um ser, uma porta se abre, forma-se um rio.
A habilidade "misteriosa" é a capacidade de acolher e transformar. Isso é a raiz do Céu e da Terra, o grande segredo do universo. Dominando esse segredo, o sábio se torna como que imortal, e seu poder não acaba.
Poema 7 do Tao Te Ching
天長地久
天地所以能長且久者
以其不自生
故能長生
是以聖人後其身
而身先
外其身而身存
非以其無私耶
故能成其私
O Céu perdura, a Terra subsiste.
O Céu e a Terra podem ter tão longa existência
Porque não vivem para si mesmos,
Assim, existem por muito tempo.
Da mesma forma, o Sábio coloca-se por último,
E mantém-se à frente.
Isso não seria exatamente porque renuncia ao seu Ego?
É desta forma que ele realiza o seu Eu.
Mais uma vez, a conduta do Sábio se mostra semelhante às do Céu e da Terra. Renunciando a posições de destaque, ele assume, sem esforço (wu wei) a liderança. Renunciando a si mesmo, ele realiza o próprio ser.
Poema 8 do Tao Te Ching
上善若水
水善利萬物而不爭
處衆人之所惡
故幾於道
居善地
心善淵
予善天
言善信
政善治
事善能
動善時
夫唯不爭故無尤
Aquele que tem a suprema excelência é como a água.
A água tem sua excelência em beneficiar a todos, em tranquilidade; ocupando o lugar desprezado por todos. Nisso já se aproxima do Tao.
Sua morada é o lugar excelente,
Sua mente é profunda por excelência,
Seu dom é celestial por excelência,
Sua palavra é confiável por excelência,
Seu governo é competente por excelência,
Seus atos são eficazes por excelência,
Suas ações são oportunas por excelência.
Basta manter a tranquilidade e não haverá falha.
O homem de suprema excelência, ou o Sábio, é comparado, neste poema, com a água.
Ele beneficia a todos, conservando sua tranquilidade. Dessa maneira, sua excelência se expressa em outros aspectos da sua vida. Onde ele mora é a moradia por excelência - mas isso porque ele já alcançou a excelência em sua própria natureza.
A partir da tranquilidade, ele passa a beneficiar a todos. Assim, ele alcança excelência em sua casa, em suas atividades diárias, em seus pensamentos, em suas palavras, etc.
Tudo começa com a tranquilidade. Partindo daí, não tem erro.
É interessante já notar, uma vez que será um tema abordado em outros trechos do Tao Te Ching, como são escritos os caracteres para "palavra" e "confiável":
言 - "palavra", vemos a boca (retângulo), de onde saem os sons (traços horizontais acima da boca).
谷神不死
是謂玄牝
玄牝之門
是謂天地根
綿綿若存
用之不勤
O espírito do vale não morre,
É chamado "Fêmea Misteriosa".
O portal da "Fêmea Misteriosa"
É chamado "Raiz do Céu e da Terra".
Contínuo, como se sempre existente,
Sua aplicação não se esgota.
O espírito de um vale significa a atitude de um vale, que se mantém no baixo para receber as águas e os rios. É a simplicidade do sábio, que acolhe todas as variedades de pessoas, com seus pensamentos e maneiras de ser, e catalisa a sua transformação.
玄 significa obscura, escondida, misteriosa.
牝 significa a fêmea de um animal, ou fechadura, ou vale. Ou seja, aquilo que recebe algo, e gera uma mudança: surge um ser, uma porta se abre, forma-se um rio.
A habilidade "misteriosa" é a capacidade de acolher e transformar. Isso é a raiz do Céu e da Terra, o grande segredo do universo. Dominando esse segredo, o sábio se torna como que imortal, e seu poder não acaba.
Poema 7 do Tao Te Ching
天長地久
天地所以能長且久者
以其不自生
故能長生
是以聖人後其身
而身先
外其身而身存
非以其無私耶
故能成其私
O Céu perdura, a Terra subsiste.
O Céu e a Terra podem ter tão longa existência
Porque não vivem para si mesmos,
Assim, existem por muito tempo.
Da mesma forma, o Sábio coloca-se por último,
E mantém-se à frente.
Isso não seria exatamente porque renuncia ao seu Ego?
É desta forma que ele realiza o seu Eu.
Mais uma vez, a conduta do Sábio se mostra semelhante às do Céu e da Terra. Renunciando a posições de destaque, ele assume, sem esforço (wu wei) a liderança. Renunciando a si mesmo, ele realiza o próprio ser.
Poema 8 do Tao Te Ching
上善若水
水善利萬物而不爭
處衆人之所惡
故幾於道
居善地
心善淵
予善天
言善信
政善治
事善能
動善時
夫唯不爭故無尤
Aquele que tem a suprema excelência é como a água.
A água tem sua excelência em beneficiar a todos, em tranquilidade; ocupando o lugar desprezado por todos. Nisso já se aproxima do Tao.
Sua morada é o lugar excelente,
Sua mente é profunda por excelência,
Seu dom é celestial por excelência,
Sua palavra é confiável por excelência,
Seu governo é competente por excelência,
Seus atos são eficazes por excelência,
Suas ações são oportunas por excelência.
Basta manter a tranquilidade e não haverá falha.
O homem de suprema excelência, ou o Sábio, é comparado, neste poema, com a água.
Ele beneficia a todos, conservando sua tranquilidade. Dessa maneira, sua excelência se expressa em outros aspectos da sua vida. Onde ele mora é a moradia por excelência - mas isso porque ele já alcançou a excelência em sua própria natureza.
A partir da tranquilidade, ele passa a beneficiar a todos. Assim, ele alcança excelência em sua casa, em suas atividades diárias, em seus pensamentos, em suas palavras, etc.
Tudo começa com a tranquilidade. Partindo daí, não tem erro.
É interessante já notar, uma vez que será um tema abordado em outros trechos do Tao Te Ching, como são escritos os caracteres para "palavra" e "confiável":
言 - "palavra", vemos a boca (retângulo), de onde saem os sons (traços horizontais acima da boca).
信 - "confiável", é a "pessoa" 亻"de palavra" 言.
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