02 de julho de 2015 – O fundador da Projeciologia e Conscienciologia, Waldo Vieira faleceu neste dia em Foz do Iguaçu aos 83 anos de idade. Convalescendo de uma operação cardíaca conduzida em São Paulo mês passado, Vieira entrou em coma ao sofrer um derrame em sua residência, e foi levado ao hospital Costa Cavalcanti onde permanecia em tratamento intensivo desde a semana passada.
Figura proeminente no cenário espiritualista brasileiro, Waldo Vieira renovou o campo de estudos parapsíquicos através da experiência fora do corpo. Professou que esta experiência é método privilegiado para a investigação do mundo extrafísico e subjetivo. Estes estudos resultam na Projeciologia. Vieira posteriormente se concentra no tópico da evolução da consciência, já com um estilo mais prescritivo e valorativo, codificado na Conscienciologia.
Não somente determina o caráter destas “neociências”, Vieira também se destaca como figura central na história do espiritismo e do movimento Nova Era brasileiros, catalisando um campo dinâmico de rearticulações culturais e ideológicas ainda em fluxo.
Carisma na Ciência
Através da história da ciência, novos sistemas são paradoxalmente implementados por lideranças de estilo carismático (Freud, Comte, Einstein, Vieira, etc.). A racionalidade pregada na geração de conhecimento se contrasta com interferências idiossincráticas de seus fundadores, popularizando novas ciências com desdobramentos institucionais específicos.
Com a morte do líder, este estilo carismático é gradualmente substituído por rotinas institucionais de tipo burocrático. Ainda que o futuro da Projeciologia e Conscienciologia esteja em aberto, os efeitos do estilo moralista imposto por Vieira constituem desafios que seus seguidores deverão agora confrontar.
Médico e parapsíquico, Vieira desenvolve um personalidade sui generis ao longo das décadas. Nascido em Monte Carmelo, Minas Gerais, em 18 de abril de 1932, filho do dentista Armante e da professora primária Aristina. Waldo atua no Movimento Espírita do interior de Minas, popular mas em tenso diálogo com o meio predominantemente católico. Ele se forma em odontologia e medicina na Universidade de Uberaba, e cresce como hábil debatedor público e médium de grande popularidade.
Desenvolve uma aparência intencionalmente marcante: vestido de branco, com farta barba de brancura marcante, sobrancelhas agudas, nariz fino, e olhar penetrante. Seus dons parapsíquicos são também notáveis: projetabilidade, mediunidade, clarividência, e manipulação de energias – chanceladas já na época de sua militância espírita.
Tudo isto caracteriza uma personalidade carismática de teor mágico. Waldo Vieira encarna os traços universais do mago-xamã, conforme listados por antropólogos como Mauss e Levi-Strauss. A profissão médica dispõe de forte poder simbólico em tradições mágicas e religiosas: o médico (tal como o xamã) lida com a vida e com a morte, sendo figura central na integração entre o mundo visível e invisível. No Brasil, médicos gozam de elevado status no espiritismo, na direção de centros e entrevistas públicas, na caracterização em novelas espíritas, e em sua influência política e ocupacional.
De Cronista à Profeta
Vieira vinha investigando a fenomenologia parapsíquica desde a década de 1970. Acumula uma biblioteca especializada com mais de 5,000 títulos. De médium espirita, irá se reinventar como pesquisador independente. Associa-se ao American Society for Psychic Research (USA) e a Society for Psychic Research (UK), ainda que comumente criticando colegas anglo-americanos de conservadorismo cientifico.
Sua trajetória se delineia em três grandes fases. A primeira (kardecista) compreende suas atividades no Movimento Espírita, onde atua como promitente médium e parceiro de Chico Xavier. Escrevem livros mediúnicos e coordenam sessões de assistência para multidões. Entretanto, Vieira se desaponta crescentemente com a ortodoxia kardecista que o desmotiva a estudar seus interesses em “animismo” e “desdobramento”. Ao longo dos anos 1970, ele gradualmente se afasta do Espiritismo, culminando em uma ruptura mais definitiva ao derredor de 1989. Se concentra em pesquisas parapsicológicas que prioriza, simultaneamente ao seu trabalho diário como médico cosmético em Ipanema, Rio de Janeiro.
Na segunda fase (projeciológica), Vieira analisa a fenomenologia extrafísica através de suas habilidades parapsíquicas, registradas em forma de crônicas extracorpóreas. Aqui ele ainda respeita a literatura parapsicológica. Em 1986, ele publica a sua magnum opus Projeciologia: Panorama das Experiências Fora-do-corpo, propondo uma “ciência do estudo do fenômeno da consciência e das energias para além dos limites do corpo físico”. Seguindo uma série de palestras públicas gratuitas em Ipanema, Vieira e associados fundam o Instituto Internacional de Projeciologia em 1989. Com a solidez institucional do IIP, o seu projeto toma uma guinada radical, rompendo com a abordagem fenomenológica, em favor de “assuntos avançados de ponta”, em especial, a “evolução da consciência” e o “serenismo”.
Na terceira fase (conscienciológica), Vieira adota um estilo explicitamente normativo, crescentemente moralista e combativo. Desconsiderando protocolos básicos do modelo cientifico, passa a sistematizar seus julgamentos de valor sobre a conduta evolutiva através de tipologias e terminologias bizantinas. Este processo se amplia após a publicação de seu segundo tomo em 1994, o 700 Experimentos da Conscienciologia, definida como “o estudo da consciência por meio de uma abordagem holística, holossomática, multidimensional, bioenergética, projetiva, autoconsciente e cosmoética.”
Este estilo ganha força com a mudança da sede para o Centro de Altos Estudos da Conscienciologia em Foz do Iguaçu no ano de 2002. Enquanto Vieira decide se afastar de decisões administrativas, o crescimento organizacional em rede começa a gerar atritos entre a nova direção e os antigos pioneiros. O curioso fenômeno dos “dissidentes” se torna comum.
Paradoxalmente, o moralismo conscienciológico de Waldo Vieira indica o afastamento do projeto inicial de se valorizar e construir uma “ciência”. Esta tensão é comum em paraciências em geral. Na passagem do descritivo ao normativo, a maior vítima foi a Projeciologia, relegada de “subdisciplina da parapsicologia” à “aplicação prática da Conscienciologia”.
A maioria dos conscienciólogos afirma que a Projeciologia e a Conscienciologia são independentes do Vieira. A viabilidade destas teria assim se autonomizado. Entretanto, a Conscienciologia se desenvolve na tensão entre a meta de uma ciência universal e a viabilização desta por vias carismáticas. “Dissidentes” lamentam a formação de um culto semirreligioso, enquanto conscienciólogos da casa vislumbram uma paraciência cosmopolita.
A Próxima Reencarnação
Sendo a reencarnação um princípio da Conscienciologia, o futuro de Waldo Vieira será fonte de especulações. Ao longo dos anos, ele ocasionalmente indicou a sua intenção de reencarnar-se na China. Em contraste com sua personalidade iconoclasta, os elogios são surpreendentes: “A China tem muitos problemas com comunismo e superpopulação. Mas, no geral, é a civilização que melhor trabalha com energias e a questão da serenidade, com muita gente boa trabalhando nisso, parte de sua tradição por muito tempo. E aqui no instituto temos entidades chinesas de alto nível trabalhando em nosso grupo de assistência. Elas tem energias muito positivas e refinadas. Coisa séria.”
Não por nada, ele e seguidores financiaram a tradução do tratadoProjeciologia para o mandarim, distribuindo dois mil exemplares para bibliotecas chinesas gratuitamente. Como afirmou, Vieira espera se deparar com este livro em uma vida futura, ajudando-o assim a recordar de seus esforços espirituais mais prontamente.
Recentemente, contudo, ele fez menção à Angola como possível berço para reencarnação. Tal declaração inusitada parece refletir a situação política interna na Conscienciologia, além de contrariar o arco cosmológico que construiu através das décadas. (Enfim, declarações intempestivas são típicas do líder carismático…). Vale notar, entretanto, que na recente modernização da África, chineses (engenheiros, gerentes, comerciantes, etc.) já compõem 1% da população de Angola.
Futuras gerações de conscienciólogos talvez tentem localizar o novo Vieira, seja como simples especulação, ou mesmo, através de expedições de identificação à la Dalai Lama. Nesta lógica, Vieira poderá retornar como um chinês estudante de Projeciologia vivendo em uma megalópole asiática; ou, quem sabe, em uma família de engenheiros chineses em Angola.