Carla Matsue (PR), Francisco Vorcaro (ES), Pedro Ivo (DF), Silvia Bighetti (SP),Alberto Cantídio (MG), Roberta Blanco (RJ), Gu Hanghu (DF),Gu Zhou-Ji (DF), Ricardo Antunes (DF) |
No sábado, 28 de maio, foi realizado em Brasília, DF, o 7º ENAPEA - Encontro NacionaL de Profissionais e Estudantes de Acupuntura. Evento profícuo, muito bem elaborado, com sucesso de público, e que gerou a Carta Aberta dos Estudantes de Acupuntura da Escola Nacional de Acupuntura - ENAc. Carta essa que já é considerada um marco no processo de Resistência e legitimação da Acupuntura/ MTC no Brasil. Parabéns ao Sávio Rocha, Daniel Caltabiano e a todos os envolvidos, de alguma maneira no processo.
"Nós, alunos da Escola Nacional de Acupuntura, gostaríamos de compartilhar nossos pensamentos, sentimentos e expectativas em relação ao caminho dentro do estudo da Medicina Tradicional Chinesa. Unidos por um interesse comum pela Saúde e pelas Ciências Médicas, dispusemo-nos a explorar essa racionalidade médica milenar, e nos deparamos com sérias limitações que dificultam o florescer desse conhecimento em nosso país.A acupuntura tem seu próprio corpo teórico e prático original, desenvolvido ao longo de 4000 anos, sem paralelo com nenhuma outra profissão de saúde ou terapia holística. No entanto, o que se vê atualmente em nosso país, são tentativas de diminuir essa Ciência Medica Oriental e transformá-la em um mero ramo de racionalidades completamente distintas.
A acupuntura (termo que aqui vai significando a totalidade da medicina chinesa) não é uma mera especialidade ou habilitação, uma mera técnica ou prática. Não é uma simples terapia integrativa e complementar, mas integral e auto-suficiente, e justamente por isso ela não pode ser submetida a outro sistema de pensamento, que é o que tanto se tenta fazer. Ela não pode ser assimilada ao sistema médico ocidental, não por mero capricho de profissionais e estudantes da acupuntura que não tinham uma graduação prévia em outras áreas de saúde, mas por impossibilidade epistemológica, que invalida de pronto qualquer tentativa nesse sentido. Transformar a Medicina Tradicional Chinesa em mera especialidade de uma racionalidade alheia, aprendida em alguns finais de semana de estudo, é o mesmo que aplicar as normas do Português a um idioma estrangeiro, e depois, ainda por cima, taxá-lo de incompreensível e ineficaz!
Ineficaz!? Senhores da ciência, homens e mulheres estudados, dignos membros da classe política, a Medicina que por milênios permaneceu incólume, como sustentáculo da saúde de uma imensa nação, merece ser questionada dessa forma? Sujeitada a experimentos por aqueles que nem ao menos se deram ao trabalho de entender sua linguagem, seus símbolos, seus princípios? Estamos certos de que a sua sensatez não permitirá tal desrespeito.
Por isso, pedimos que escutem nosso apelo. A Verdade, senhoras e senhores, não disputa mercado. A Sabedoria é um tesouro de tamanha vastidão que não podemos nunca pretender possuí-lo por completo; um tesouro cujas raízes se estendem desde o mais remoto passado ao futuro inimaginável, um tesouro que não limita nem separa, mas que integra. Tampouco diz respeito apenas ao que é tangível, mensurável e comparável, incluindo também o tradicional, passado de geração em geração, não raro contrariando os princípios mais básicos daquilo que entendemos como ciência, mas nem por isso menos válido, menos seguro ou menos efetivo.
Nós somos estudantes, e com humildade lhes dirigimos essas palavras: reconhecemos os anos de caminhada que os tantos profissionais de Saúde já formados têm à nossa frente, mas lembremos, todos nós, que as décadas de estudo que um homem pode acumular em sua vida nada são perante os milênios de existência da Medicina Tradicional Chinesa e de outros tantos tesouros inestimáveis de sabedoria que existem em nosso mundo. Relegar esse conhecimento ao banco de reservas da nossa “Ciência Moderna”, criança recém engendrada em nosso bojo ocidental, é um desrespeito sem tamanho.
Não estamos aqui para desferir alfinetadas ou agulhadas contra qualquer racionalidade, muito menos contra os frutos dos avanços do nosso próprio Ocidente. Nossas agulhas estão a serviço do bem, da saúde e da harmonia. Louvamos os avanços das frentes científicas ocidentais, cujo valor inestimável reconhecemos inteiramente. O que queremos é apenas o devido respeito e a merecida atenção ao progresso já há muito alcançado pelos irmãos da Ciência Médica que nos legaram os conhecimentos e as técnicas da Medicina Tradicional Chinesa.
Quando falamos na criação de uma graduação em acupuntura, o que estamos pedindo é a oportunidade de explorar a fundo essa ciência tão antiga, que não é meramente uma técnica complementar nem apenas uma especialização, como já foi explicado. É por isso que queremos uma graduação em Acupuntura, com duração de pelo menos quatro anos e grau de bacharel ou equivalente, com todas as diretrizes curriculares estabelecidas em lei e contemplando todos os princípios e peculiaridades desse maravilhoso sistema médico. Só assim evitaremos que a grande Medicina Chinesa se limite à simples repetição de protocolos prontos e impensados que se faz na dita “acupuntura científica”
Não é possível apreender tantos séculos de sabedoria em apenas 180 ou 360 horas, um final de semana por mês. Por isso, acreditamos que a acupuntura é de todo incompatível com um modelo de habilitações e especializações. Infelizmente, a maioria da população – incluindo aí muitos pretensos acupunturistas – desconhecem essas particularidades da racionalidade médica chinesa, o que torna essencial uma campanha informativa acerca das características, vantagens e desvantagens da acupuntura e demais práticas dessa fantástica ciência. São várias as pessoas que afirmam só aceitar fazer acupuntura com médicos ou outros profissionais que já tenham graduação prévia em alguma ciência da saúde, o que demonstra o desconhecimento e desinformação reinantes, situação que exige reparação urgente.
Que fique bem claro que o que estamos dizendo não é que profissionais vindos de outras áreas da saúde sejam incapazes de fazer boa acupuntura. De forma alguma: suas formações prévias têm muito a contribuir para a excelência do profissional. Porém, é imperativo que o ele se empenhe em conhecer toda a ciência médica chinesa, do zero, despindo-se de todas as pré-concepções adquiridas em sua formação original – o que, convenhamos, é nitidamente incompatível com um modelo de especializações. Ou seja, a Medicina Chinesa é uma ciência independente, e por isso também tem de ser vista como uma formação autônoma.
Além disso, a acupuntura tem um potencial incrível como método preventivo e de tratamento para as massas, por conta de seu baixo custo e notável eficácia (obviamente, desde que respeitados seus princípios norteadores). Sempre foi assim, desde seu surgimento na antiga China, e não há razão para que não o seja também no Brasil da atualidade. O lugar da acupuntura não é apenas dentro das clínicas, mas acessível a todos aqueles que dela necessitarem, inclusive dentro do SUS, mas de modo diferente do que é feito hoje: não por pretensos especialistas, mas por acupunturistas em especial.
A Medicina Chinesa tem de ser praticada por profissionais graduados em Acupuntura. Não queremos uma acupuntura fatiada e descaracterizada, mas preservada em sua totalidade, como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade que ela é. É um saber tradicional, devendo portanto ser tratada como tal, e não necessariamente se opondo à ciência nos moldes ocidentais. Cabe à comunidade científica uma postura mais receptiva, sem preconceitos contra aquilo que não compreende, por não lhe ser familiar.
Como estudantes, o que esperamos do futuro é um curso de graduação estruturado e respeitado, uma profissão reconhecida e valorizada em cooperação com as demais profissões da saúde, mas sem interferência dessas. Queremos a Acupuntura integral, e queremos que todos saibam que acupuntura é com acupunturista.
Brasília, 28 de maio de 2011
Redigida por Sávio Rocha da Silva"